Primeiros Passos, por Mikaelle Nascimento e Victor Hugo Nunes
Ensinando e aprendendo: desafios do ensino infantil durante a pandemia
Diante das mudanças que ocorreram durante o último ano, a educação se adaptou aos desafios impostos pela covid-19 e renovou a maneira de interagir entre professor e aluno
pandemia exigiu de todos mudanças extremas na rotina. O uso de máscaras, o confinamento em casa, o uso de álcool em gel se tornaram comportamentos comuns para todos aqueles que estão tentando se proteger do coronavírus. Se muitos adultos foram afetados por toda a situação, as crianças que o digam.
Os pequenos foram tirados de suas rotinas ao terem que ficar confinados em casa sem poder sair e tudo isso por causa de algo que eles nem entendiam direito. Crianças entre 3 e 6 anos estão na fase de explorar o mundo; isso faz parte da aprendizagem e do desenvolvimento, e esse processo natural foi interrompido de maneira brusca por causa da pandemia. Mesmo que a realidade dessas crianças seja diferente, existe um fator comum: todas estão longe da escola. No ensino infantil, as práticas pedagógicas são baseadas na interação e nas brincadeiras, e na situação atual a pergunta que fica é: como fazer isso de maneira não presencial? Além, é claro, do questionamento sobre ser ou não seguro voltar às salas de aulas presencialmente, e como professores e pais estão lidando com o fato das crianças estarem em casa em tempo integral.
Na intenção de mostrar como a educação infantil se adaptou ao ensino à distância, trazemos um pouco da rotina de uma professora que ensinou desde o início da pandemia.
“Eu acho que desafiador é muito, muito simples para o que realmente foi.” Assim começou o relato da professora Camila Fortunato sobre as suas vivências ao ensinar durante a pandemia de Covid-19.
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Ensinando o Infantil 2 desde o ano de 2018, a professora contou sobre como foi o processo de adaptação dela e de seus alunos à nova realidade enfrentada por todos. Camila tentou usar desde o início recursos que pudessem prender a atenção de seus alunos, pois ela sabia que esse viria a ser um dos problemas a serem enfrentados. Como manter a atenção de crianças de 2, 3 anos em uma aula on-line?
A solução encontrada por ela foi usar objetos coloridos, caixas musicais, livros de histórias e muito EVA. Alguns de seus alunos tinham a infraestrutura necessária para terem as aulas, outros não. Durante o período, a professora conta que as crianças passaram por um diagnóstico onde foi constatado que alguns alunos conseguiram evoluir muito, enquanto outros regrediram na mesma medida. Crianças envergonhadas, receosas e com medo. Foi assim que Camila encontrou seus alunos no início das aulas on-line.
O relato da professora ilustra a realidade encontrada pelos docentes de todo o país durante esse período. O desafio de ensinar durante a pandemia foi, sem dúvidas, um dos marcos do ano de 2020. E mesmo após um ano da disseminação do vírus no Brasil, a realidade permanece a mesma. Com a segunda onda de contágio crescendo desde janeiro de 2021, as escolas permanecem fechadas. E o aprendizado, por mais um ano, precisa se adaptar a essa realidade.
A nova rotina, que pegou a todos de surpresa em março de 2020, forçou uma adaptação e mudança radical no modelo de ensino. A interação, antes presencial, passou a ser feita por meio de aparelhos eletrônicos e, com isso, alunos, professores e pais, encontram-se completamente imersos em um novo desafio: como ensinar e aprender a distância?
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(...) Eles ficavam muito envergonhados, porque teve uma época em que as aulas foram ao vivo, então, logo bem no iniciozinho, nas primeiras aulas, eles ficaram super envergonhados, não queriam falar, e principalmente porque os pais ficavam do lado, então, até quando eu perguntava “qual seu nome?” para fazer a chamadinha, eles não respondiam. Mas assim, aos poucos, bem aos pouquinhos, logo nas últimas aulas a gente já percebia, né, que eles já estavam participando mais.
Ensino à Distância
Diante de câmeras e telas, com pouco ou nenhum suporte disponível, precisando usar dos próprios meios para trabalhar, e aprendendo na prática como seria ensinar fora da sala de aula. Foi essa a realidade que os professores encontraram no início. Movidos pela paixão de lecionar e repletos de insegurança, tiveram mais uma vez que assumir o papel de aprendizes e buscaram maneiras de exercer seu ofício, agora de forma remota.
Em entrevista, a também professora Daniela Oliveira, relatou que, pensando no contexto das colegas de trabalho, o principal desafio foi se ver diante de uma câmera e ter que “se virar”. Segundo ela, algumas pensaram até em desistir, diante dessa dificuldade.
Foi com o apoio dado pela coordenação e pelos psicólogos disponibilizados pela escola que esse impacto inicial pôde ser superado. Contudo, sabemos que essa não é a realidade de grande parte das instituições de ensino, que nem sempre têm acesso ao acompanhamento psicológico necessário.
Somado ao desafio encontrado pelos professores, no ensino infantil principalmente, a questão da socialização possui papel fundamental para o desenvolvimento das crianças. É com o convívio que os pequenos dão os primeiros passos em direção à cooperação, ao respeito mútuo e ao desenvolvimento da comunicação, dentre outros aspectos fundamentais para seu crescimento saudável.
Tanto a coordenadora escolar Flaviana Braga quanto o psicopedagogo Marcelo Morais corroboram com a ideia de que a interação proporcionada pelo ensino infantil é fundamental no processo de formação dos indivíduos.
Pensando na realidade dos pais, diversas foram as missões que eles tiveram que encarar durante esse período. Muitas vezes sem o preparo suficiente para o acompanhamento pedagógico, outras vezes, sem possuir o domínio necessário para lidar com a tecnologia que se tornou fundamental, e envoltos pelas demandas de seus trabalhos e rotina, se viram de mãos, olhos e bocas atadas. Sorte tiveram os que conseguiram obter, nas escolas, orientações de como proceder diante desses obstáculos.
Outro ponto importante é o tempo de uso de telas de celulares, computadores e afins. Em 2020, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) atualizou suas recomendações sobre a saúde mental de crianças e adolescentes na era digital. Segundo a instituição, a exposição de crianças de 2 a 5 anos não deve ser maior do que uma hora por dia, e para crianças de 6 a 10 anos, duas horas. No ensino à distância, as crianças terão de fazer uso desses aparelhos por um maior período de tempo, e se não for regulado isso pode levar a problemas de saúde, como a dependência digital.
Volta ao Presencial
Com a parcial tendência de melhora, que se observava no segundo semestre de 2020, escolas particulares ensaiaram a volta às aulas. Com medidas de higienização, distanciamento e revezamento de turmas, aos poucos a rotina escolar parecia estar de volta. Durante esse período, os responsáveis pelas crianças se encontraram em um dilema: é seguro retornar para o ensino presencial?
Alguns argumentam que sim, como é o caso da professora Ana Thalia. Para ela, a volta às aulas presenciais foi um momento de felicidade e esperança, pois ela poderia reencontrar seus alunos, que não via a meses. A professora, que diz estar seguindo todos os protocolos necessários para manter as crianças em segurança, se mostra contra outro período onde as aulas tenham que ser interrompidas, uma vez que, para ela isso seria um descaso com seus alunos.
Por outro lado, a pediatra Viviane Portela não acha que esse seja o momento ideal para a retomada de atividades presenciais de qualquer natureza. Para a médica, nenhuma medida, por mais restrita que seja, vai resolver o problema da contaminação, e se tratando de crianças, o entendimento sobre a situação é diferente de uma pessoa adulta.
A pediatra entende que a realidade de certas famílias faz com que a criança ir para a escola seja uma necessidade, porém, ela se mostra preocupada de essas crianças se tornarem veículos de transmissão do vírus.
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Cada vez que a gente sai de casa pra comprar um pão na padaria, a gente tá se expondo, tá com o risco de ser contaminado. Não é diferente com crianças numa sala de aula. O distanciamento, quando a gente fala de distanciamento entre as crianças, é um pouco difícil de a gente fazer esse distanciamento, porque a gente tá falando de criança, de pessoas que não compreendem as coisas da mesma maneira que um adulto compreende.
Rotina dos Pais
Camila Lima, mãe de Luiz Miguel, de apenas quatro anos, conta que no período da pandemia, seu filho não se adaptou ao ensino online. Ela relata que, por conta do trabalho, não pode dar a assistência necessária para o seu filho.
Essa é a realidade de muitos pais que, como Camila, não podem dar o devido suporte a seus filhos. Para Camila, as aulas presenciais são muito importantes para que a criança possa aprender e conviver com outras. No caso de Luiz Miguel, que atualmente está tendo aulas presenciais, a sua antiga escola não sobreviveu à pandemia e teve de fechar as portas.
Entre os motivos para que a escola chegasse ao fim, está o fato de que muitos pais optaram por retirar seus filhos das escolas de ensino infantil durante o ano de 2020. Isso ocorreu por várias razões, e, dentre elas, temos que muitos pais não viam sentido em pagar uma mensalidade sendo que quem teria que ensinar seus filhos eram eles próprios, como relata Camila.
Dados da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep) demonstram a realidade que as escolas de ensino infantil tiveram que enfrentar durante esse período sem aulas presenciais. Com 30% a menos de estudantes matriculados por todo o Brasil, as escolas particulares viram suas receitas despencarem em torno de 56%. No Ceará, o fechamento de instituições entre creches e escolas de ensino infantil corresponde a 40% do total da rede de ensino particular que encerraram suas funções, de acordo com o Sindicato dos Estabelecimentos Particulares do Ensino do Ceará (Sinepe-CE).
Entre os fatores que influenciaram no agravamento da situação das escolas de ensino infantil na pandemia, está que a renda de muitas famílias foi afetada durante o período. Sendo assim, muitos pais tiveram que cortar gastos, e optaram por retirar seus filhos das escolas. Outro fator muito importante é que a educação é obrigatória apenas a partir dos quatro anos, ou seja, não haveria nenhum tipo de penalidade para os pais que tirassem seus filhos das instituições.
O início das aulas remotas no ensino infantil não começou no mesmo momento em que os outros segmentos de ensino, como fica claro no relato da professora Camila Fortunato: “as aulas online para a educação infantil não começaram de imediato. Não foi que nem em escolas de ensino médio, ensino fundamental, nem de ensino superior, que, logo em abril, já tava tendo aula online. Na educação infantil, as aulas começaram mais ou menos em julho”.
A situação demonstra que o ensino infantil não é visto com a mesma importância que o ensino fundamental e médio, já que os esforços para que as outras modalidades de ensino voltassem no ensino à distância foram visivelmente mais intensos.
Decretos Estaduais
Ao longo desse um ano de pandemia, quatro decretos relacionados com a volta às aulas presenciais foram estabelecidos pelo Governo do Estado do Ceará. O ensino infantil foi o primeiro que teve autorização para voltar às atividades presenciais desde que as medidas sanitárias fossem cumpridas. A quantidade permitida de alunos em salas de aula de forma presencial era decidida de acordo com a situação da pandemia no Estado. Entretanto, no começo do ano de 2021 as aulas foram novamente suspensas por causa do aumento de casos de covid-19.
Diante dessas alternâncias observadas ao decorrer dos meses, as escolas tiveram que se adaptar de acordo com as possibilidades que lhes eram disponibilizadas. Algumas precisaram contratar professores extras, que ficassem responsáveis pelas turmas que permaneciam no ambiente digital, enquanto outros profissionais se dedicavam ao ensino dos pequenos que já haviam voltado para a rotina presencial.
19 DE FEVEREIRO
DE 2021
Aulas presenciais de escolas, universidades públicas e privadas foram suspensas
25 DE OUTUBRO
DE 2020
Ensino infantil nas redes públicas e privadas podem funcionar com 75% da capacidade
01 DE OUTUBRO
DE 2020
Turmas do ensino infantil recebem permissão para funcionar com 50% da capacidade
01 DE SETEMBRO
DE 2020
Creches e escolas particulares de educação infantil tiveram permissão para retornar às aulas presenciais com 30% da capacidade
Olhar no Futuro
Aos poucos, com o início da aplicação de vacina nos grupos prioritários, ressurge a esperança no horizonte da volta à rotina que tínhamos antes. Pais, professores, e principalmente as crianças serão beneficiados com o retorno do ensino presencial.
O convívio que foi interrompido ao longo de vários meses será restabelecido, e com ele, as crianças terão a possibilidade de desenvolver habilidades fundamentais para a vida em sociedade, como a empatia, o cuidado com o próximo, o convívio com a diversidade e o respeito pelo ambiente em que se convive.