Agora, o futuro, por Lara Vieira e Marcos Felipe Martins
Entre telas e chamadas: as consequências do EAD para a educação do ensino médio
As pressões e as dificuldades dos anos pré-vestibulares foram intensificadas pela pandemia
uando somos crianças, olhamos o mundo de uma maneira específica, pois muitas das vezes, não temos uma noção da profundidade real dos acontecimentos, uma vez que não possuímos, ainda, referenciais para comparar, ou seja, experiências suficientes de vida. Entretanto, a situação vai mudando à medida que envelhecemos, pois adquirimos maturidade e uma maior consciência e reflexão acerca dos fatos.
Nesta pandemia, muitas crianças só vão, provavelmente, perceber como suas rotinas de estudos sofreram mudanças drásticas daqui a alguns anos. Adolescentes que passaram a vida toda acostumados com o estilo de ensino presencial, porém, sentiram essa divergência de uma forma ainda mais intensa, mesmo porque o ensino médio está sempre relacionado à pressão: pressão de escolher uma carreira e uma universidade, pressão para achar sua tribo social, pressão para ter uma vida social fluida, pressão para ter boas notas, e, principalmente, para se dar bem no vestibular, que é, na maioria das vezes, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).
No intuito de ilustrar melhor o que é ser adolescente em tempos de pandemia e aulas de ensino à distância (EAD), conversamos com alguns rapazes e moças, que nos contam, em detalhes, as nuances deste momento atípico e assustador, que aflige toda a população brasileira.
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É com a frase de Ana Carvalho que começamos as nossas histórias. Apesar de parecer uma frase comum, ela descreve, com precisão, o sentimento de confusão mental que se passa na cabeça de boa parte dos adolescentes brasileiros que estão cursando o ensino médio. É uma sensação estranha, esquisita, que os deixa confusos, tanto pela mudança repentina de rotina ao começo da quarentena, em março de 2020, como por causa de já ter se passado um ano e ainda não se ter expectativas de quando as aulas presenciais poderão retornar, por definitivo, em segurança.
Ana conta que a principal diferença do ensino presencial e EAD é “que, no presencial, a pessoa realmente aprende, e o EAD é mais difícil”. Mas, apesar disso, a moça relata gostar da experiência, porque, segundo ela, ficar em casa também é bom, ainda que seja com essa sensação estranha, de ainda estar passando por um estilo de ensino incomum.
A moça finaliza seu relato nos contando que sente, sim, saudades do ensino presencial, principalmente por causa dos professores, os quais ela gosta muito, dos amigos, e, curiosamente, ela citou um elemento inesperado: os lanches! Vindo de Ana, que possui condição financeira e familiar estáveis, esta fala é apenas engraçada, mas é importante lembrar, que, como falou Francisco Menezes, ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea):
“Muitas vezes, não contar com essa alimentação significa que essas crianças e ou pais delas vão deixar de se alimentar pelo menos uma vez por dia. Isso teve uma repercussão muito forte com o fechamento das escolas [...]”
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Eu acho muito estranho, porque nunca tinha passado por isso antes.
Ana Carvalho, 15 anos, 1° ano do ensino médio
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No EAD, o pessoal fica com vergonha de ligar o microfone, de perguntar, e isso acaba impedindo que haja tanta interação quanto tem no presencial.
João Henrique Moura, 15 anos. 1º ano do ensino médio
A falta de interação causada pela pandemia que aterroriza a humanidade desde o ano passado pode ser bem prejudicial. Os cinemas perdem seus espectadores para os serviços de streaming; as igrejas ficam sem os seus fiéis; muitos comércios físicos perdem a vasta gama de clientes. Mas e as escolas? É sabido que o EAD foi posto em prática por uma porcentagem considerável das escolas brasileiras, públicas e privadas. Mas quais são as diferenças, na teoria e na prática, para os adolescentes? Há vantagens? Há prejuízos?
Para João Henrique Moura, de 15 anos, a principal diferença está na relação de interação. Uma vez que o aprendizado é todo virtual, as relações são menos humanas, e há muita perda de contato, “tanto entre alunos e professores, quanto entre alunos e alunos”, segundo o jovem. O vice-presidente do Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul (Ceed/RS) aponta a importância da interação para uma educação de qualidade:
“Não havendo interação não há sociabilidade. A educação é um processo social através dessa interação. E, justamente esse é o aspecto mais comprometido. Esse é o grande limite que eu vejo que precisa ser apontado. Isso é mais relevante se EaD é ou não importante se ajuda ou não ajuda na educação. Ela tem suas facilidades e vantagens, mas também tem suas fragilidades e limites. O principal é a falta de interação e sociabilidade, por ser uma questão fundamental na educação. Não é a única, mas é fundamental”.
João Henrique também nos conta sobre sua maior dificuldade enquanto estudante dentro do modelo remoto de educação:
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Em alguns casos, eu falo: ah, eu vejo esse conteúdo mais tarde, e, no final, acabo não vendo.
Eloá Mellim, 16 anos. 2º ano do ensino médio
Eloá é uma moça muito dedicada aos estudos; antes da pandemia se estabelecer em nosso país, ela tinha uma rotina muito bem definida. A rotina de Eloá, porém, precisou ser reinventada, para se adaptar à nova realidade do ensino à distância. Ela nos conta que o fato de estar criando novos costumes está ajudando muito a superar as dificuldades da modalidade.
Segundo a moça, o EAD não é de todo ruim; ela deixa claro que existem prós:
Entretanto, como confirmado na frase que inicia a narrativa de Eloá, o lado negativo da modalidade de ensino remoto também se faz presente na realidade dos jovens. Ela revela que a maior dificuldade sentida é o fato do professor não estar do lado do aluno, fazendo com que estude a matéria no momento.
O site iSaúde afirma que a dimensão afetiva é tão importante quanto a dimensão cognitiva para a aprendizagem e, portanto, os currículos e a formação docente devem ser pensados, também, a partir desta perspectiva. Na relação entre professor e aluno, o afeto ganha uma importância significativa, pois ele tanto pode facilitar a aprendizagem quanto dificultá-la, dependendo da forma como esta relação é construída. Aluno e professor afetam-se mutuamente a partir dos seus desejos, expectativas e singularidades.
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Eu não estou gostando muito, não se compara nem um pouco com o ensino presencial; mas eu estou conseguindo estudar, pelo menos isso.
Anastácia Castro*, 16 anos. 3° ano do E.M.
*nome fictício, a fonte pediu para não ser identificada
Esta fala de Anastácia Castro, em específico, pode ter mais de uma interpretação. Por um lado, podemos pensar que o EAD não empata os alunos de conseguir alcançar o objetivo de estudar. Mas por outro lado, é problemático e preocupante imaginar que muitos alunos encaram o sistema de ensino à distância de tal forma, onde há diversos problemas, mas “pelo menos” eles conseguem estudar.
Questão de Necessidade
Júlia Nunes concorda com Anastácia na questão dos prós e contras do EAD. A moça entende, antes de mais nada, que a modalidade é uma questão de necessidade; é apenas uma alternativa!
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Eu não diria exatamente que eu estou gostando ou deixando de gostar do EAD. Eu sei que é uma necessidade atualmente, principalmente sabendo da minha condição de saúde da asma, que me coloca no grupo de risco, então, isso me preocupa, claro, mas, é óbvio, as relações sociais são muito mais restritas e o ensino é bem diferente. Então foi tudo uma questão de se adaptar. Eu não diria que eu gosto ou gosto menos, tem as partes boas, mas tem várias partes ruins também.
Júlia Nunes, 17 anos. Estudante do 3º ano do Ensino Médio
Distrações
Júlia e Anastácia atentam para o fato de que é extremamente difícil conciliar os estudos da escola com o ambiente familiar, principalmente por causa das distrações:
Karina Tomelin, colunista do site Desafios da Educação, complementa a fala das meninas:
“Estudar em casa e sozinho não faz parte do paradigma da maioria dos alunos. Nossa casa é cheia de distrações: sofá, cachorro, celular, TV… Sem falar que não há um professor orientando o tempo todo sobre o que se deve fazer. É preciso que o estudante se organize para conseguir estudar remotamente. Criar uma agenda é essencial”.
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Eu sinto muita, MUITA saudade do ensino presencial.
Bianca Bessa, 17 anos. Estudante do 3º ano do ensino médio
A frase de Bianca sintetiza a saudade que os alunos têm do ensino antes da pandemia. Segundo a moça, a maior saudade é “do contato com as pessoas, com os meus amigos, e até com a coordenação, tinha assistentes de coordenadoras, que eram muito próximas, que eram muito engraçadas, as piadas em sala de aula, que eram únicas. Acho que sinto falta dessa convivência”.
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Eu tenho certeza que 90% das pessoas que eu converso, meus amigos, não consegue se concentrar, não consegue aprender, é muito ruim para todos nós.
Davi Ribeiro, 17 anos. Estudante do 3º ano do ensino médio
Apesar de ter uma opinião negativa em relação ao EAD, como diz a frase acima, Davi Ribeiro ressalta o esforço dos professores para que os impactos na educação sejam mínimos. De acordo com o rapaz, os docentes estão se adaptando muito bem; por ser o trabalho deles, eles têm um peso maior para eles se adaptarem, para manusearem as aulas de forma correta.
Entretanto, ainda segundo Davi, muitos professores também não estão gostando do EAD. “Assim como os alunos, porque a gente já vem de um ensino que a gente foi acostumado, há muito tempo, foi durante toda a construção da nossa vida, a nossa base foi aquele ensino, então eu acredito que eles também não estão gostando muito”.
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Minha preocupação era conseguir estudar, pelo menos, um pouco a cada dia.
Vitória Júlia, 18 anos. Ex-aluna
Vitória Julia já não é mais uma aluna do ensino médio. Ela se formou em 2020 em uma escola estadual de educação profissional. Em pleno terceiro ano, um período decisivo na vida de todo estudante pré-universitário, Vitória conta como montou um esquema de estudos para se preparar para o maior vestibular do Brasil em
tempos de pandemia.
Retorno às aulas?
Em meio a um contexto em que não se sabe quando toda a população terá acesso à vacina, os alunos divergem opiniões quanto à retomada ao ensino presencial. Bianca e Davi apoiam um retorno que cumpra com as leis de sanitarismo, mas Eloá e Jonathan não acham que o momento está propício para isso:
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O melhor momento para que as escolas possam voltar de forma presencial é com todos, ou pelo menos a grande maioria, vacinados.
Ângela Candido, 15 anos. Estudante do 1° ano do ensino médio
Ângela estudou desde pequena na mesma escola particular, sendo filha de um funcionário do colégio, a jovem possuía um desconto na mensalidade. Agora, aos 15 anos de idade, Ângela passou no processo seletivo de uma escola profissionalizante do Governo do Estado do Ceará. Sendo do curso de Agroindústria, a garota, além de se adaptar na dupla jornada de ensino médio e ensino técnico, ainda lida com a educação no formato virtual.
Ela conta que precisou fazer mudanças em sua rotina diária. “Antes da pandemia eu estava acostumada a acordar mais cedo, devido a escola (...). Agora tô tentando me acostumar e me organizar, pelo fato de ser escola nova. Mas eu tento continuar acordando cedo, fazendo atividades na parte da manhã, que é onde normalmente eu não tenho aula. À tarde assisto minhas aulas e à noite eu tiro para descansar ou continuar outras atividades”, explica.
Ela conta que, na escola anterior, os professores adotaram a metodologia de publicar as aulas no Youtube. Na escola atual, entretanto, as aulas são ao vivo pela plataforma Google Meet. Para os alunos que não puderam assistir a aula no horário estipulado, as gravações também são postadas no Google Sala de Aula.
Semelhantes aos demais relatos abordados aqui, Ângela declara que fica nostálgica ao pensar no ensino presencial. No entanto, ela ressalta que entende o motivo da demora ao retorno; ela espera que, com a vacinação em andamento, as aulas presenciais possam retornar:
A visão dos professores
Buscando mostrar a situação dos alunos do ensino médio sob a perspectiva de uma professora, entrevistamos Suelí Oliveira, que relatou as suas experiências ensinando alunos do 3° ano em três escolas diferentes. Ela nos falou mais sobre a adaptação dos professores e alunos e as maiores dificuldades enfrentadas. Suelí disse que nem todos querem abrir o microfone para fazer perguntas, e a timidez pode vir a ser um fator que impedirá o aluno de interagir com o professor no ensino remoto. Ela conta ter apenas uma turma que, no fim das aulas, sempre liga a câmera para interagir.
A professora acredita que houve prejuízo para os estudantes, e que alguns de seus alunos desenvolveram ansiedade e depressão em meio à situação pandêmica. Escute a entrevista na íntegra:
Saúde Mental
Como muitos sabem, o EAD afetou a vida dos estudantes de todas as idades de diferentes formas. Uma das principais queixas dos adolescentes é no que tange à saúde mental, que foi, em muitos casos, perturbada em meio ao contexto pandêmico, onde eles precisavam continuar estudando para o vestibular, mesmo que em uma modalidade de ensino repleta de falhas. Aqui estão reunidos os relatos dos alunos entrevistados quando os perguntamos: A sua saúde mental foi afetada com a modalidade de ensino à distância?
E o vestibular?
Em um ano atípico, o Exame Nacional do Ensino Médio, maior vestibular do país, aconteceu com mudanças e adaptações que pegaram muitos alunos de surpresa. Talvez a maior delas seja referente a data de aplicação das provas. Ao invés de costumeiramente aplicadas em meados de novembro, o ENEM 2020 aconteceu entre os dias 17 e 24 de janeiro de 2021.
Apesar dos protestos de muitos estudantes pelo cancelamento da edição, as provas foram aplicadas. No entanto, regras foram adicionadas para prevenir a transmissão do novo coronavírus, como a obrigatoriedade do uso de máscaras e a higienização das mãos. Apesar disso, muitos candidatos ainda se sentiram apreensivos de se dirigirem aos locais das provas, por medo de contaminação ou por não se sentirem preparados para a prova.
De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), eram esperados mais de 5,5 milhões de candidatos, mas apenas 2.470.396 compareceram às provas. Isso representa uma taxa de abstenção de 55,3%, o recorde dentre todas as edições da prova.
“Uma coisa que foi surpreendente, apesar de todas as restrições naquele ano, todo o uso de álcool em gel, máscaras e trocas de máscaras, é que tinham bem menos pessoas na minha sala do que o esperado. Uma sala que devia tá com nem 50% da capacidade total, tava com bem menos que isso. De 30 pessoas, talvez que fossem esperadas, só tinha 12”, declarou Vitória, que fez o Enem em 2020.
Mas e o que vem em seguida? Se muitos jovens já se sentiam apreensivos com essa escolha tão importante em uma época pré-pandemia, agora, então, a projeção do futuro é ainda mais incerta.
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O mundo tá muito catastrófico e a gente não sabe o que vai acontecer, não depois de um ano como 2020.
Vitória Júlia, 18 anos. Ex-aluna
Vitória Julia diz que, agora que saiu do ensino médio, pensar numa faculdade é algo intimidador. A jovem espera o resultado do Enem, que estava previsto para ser anunciado dia 29 de março de 2021. “O mundo tá muito catastrófico e a gente não sabe o que vai acontecer, não depois de um ano como 2020. Então, pelo menos em relação ao meu futuro profissional, acadêmico, eu não sei como vai ser depois que as notas do ENEM foram liberadas, que iniciar todo o processo de Sisu, Prouni. Como vai ser para as faculdades, o cronograma das faculdades depois disso”.
Apesar disso, a jovem se mostra otimista com a vida após o Ensino Médio.
Finalizaremos essa jornada mostrando os locais de estudo das pessoas que aceitaram dividir suas experiências nesta situação tão incomum.