Aprendizado em construção, por Rebeca Brasil e Jayanne Severiano
Trancados em casa: a construção do conhecimento em um momento atípico
Na etapa intermediária da jornada de educação, os pais e os alunos do ensino fundamental enfrentam as dificuldades do ensino remoto
caminho educacional básico no Brasil é percorrido em três fases igualmente importantes. A maior etapa deste caminho, porém, é o ensino fundamental. Tendo a duração de nove anos, a fase fundamental, que é dividida em duas partes, não poderia ter recebido nome mais certeiro. É um momento fundamental para o aprendizado das crianças e adolescentes, pois inicia os conteúdos principais e necessários ao ensino médio, que está diretamente ligado ao ensino superior.
Além disso, esse é o espaço na escola que perpassa mais transições de desenvolvimento. A faixa etária de 6 a 14 anos marca um período difícil na vida das crianças, com mudanças corporais e comportamentais. A interação e a socialização com o outro, portanto, é de extrema importância.
A interrupção desse processo e a substituição da interação pessoal pela virtual é uma grande ruptura para os estudantes. Os problemas variam desde as limitações pedagógicas da aula online até as diferenças socioeconômicas escancaradas pela pandemia.
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Ensino Remoto e Aprendizado
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Segundo a pesquisa Educação escolar em tempos de pandemia na visão de professoras/es da Educação Básica, realizada pelo Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas (DPE/FCC), em parceria com a UNESCO do Brasil e o Itaú Social, “praticamente metade dos respondentes acredita que com a suspensão das aulas houve uma diminuição da aprendizagem.”
As distrações, a falta de atenção, a inexistência de um local adequado para o estudo e o escasso acesso a ferramentas digitais são algumas das questões enfrentadas por Thalyta Góes, mãe de três meninas. As suas filhas cursam ensino fundamental I: Tainá, a mais nova, cursa o 2° ano; Beatriz, a do meio, cursa o 4° ano; e Bianca, a mais velha, faz o 5° ano. Para a mãe, a rotina ficou muito mais estressante devido ao ensino à distância.
“Assim, ficou mais estressante né, toda hora a gente falando ‘vamos fazer a tarefa, vamos estudar, vão pegando os livros’, ficou mais dificultoso ainda.”
Thalyta ressalta as dificuldades que as filhas têm para realizar as atividades. Naturalmente, as crianças se distraem, perdem a concentração e a vontade de participar das aulas. “Elas não prestam atenção como tá prestando atenção assim na aula [...] quando tá presencial. Mas eu acho que não aprende nada, não, porque a gente fala dez mil vezes e ela fica achando graça, a outra chorando e a outra que diz que não vai fazer.”
Aline Silva, outra mãe, afirma a queda no rendimento de sua filha, Lívia, devido ao ensino remoto. “Esse período da pandemia, sinto que o ensino atrasou muito, porém sei que é o necessário a se fazer nesse momento, mas tenho consciência de que ela está atrasada em relação ao ensino que seria se fosse presencial.”
Em depoimento, a mãe Raquel Freitas corrobora a fala de Thalyta e Aline, explicando as dificuldades que enfrenta em sua casa, com a filha Yasmin e a sobrinha Rute.
A realidade dos pais que agora têm de agir também como professores é uma das desvantagens do ensino à distância. Mais do que nunca, a atuação dos responsáveis é essencial para o bom desempenho educacional da criança, como afirma a psicopedagoga Leidiane Pontes.
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A presença dos pais nunca foi tão importante quanto nesse momento de pandemia. Se antes era fundamental, acredito que hoje é indispensável, tanto pelo fator emocional das crianças que está exigindo total apoio dos familiares, quanto no suporte das atividades, das tecnologias e da troca com a escola. Os pais devem sempre dar um feedback das aulas no período remoto contribuindo assim para a melhoria do mesmo.
Conflito de Realidades
Para além dos problemas já citados, algumas crianças enfrentam dificuldades quanto aos aparelhos necessários para acessar as aulas online. Tainá, Beatriz e Bianca, por exemplo, vão para a casa da avó, Aila, para assistir às aulas, pois não têm internet em casa. Elas possuem somente um celular para acessar o conteúdo da escola. Thalyta, a mãe, chegou a comprar três celulares, mas, infelizmente, dois queimaram, sobrando apenas um.
A coordenadora do ensino fundamental Janaína Rodrigues, do colégio Marina Santos, comenta sobre a relação dos pais com o acesso às ferramentas digitais.
Além disso, as mães entrevistadas enfrentam questões ligadas ao trabalho dos profissionais da educação. Thalyta, por exemplo, lida com uma escola pública mal organizada, em que nem todos os professores fazem o trabalho completo. Em particular, há uma professora do 5° ano omissa, que apenas passa tarefas, sem vídeos explicando a matéria para os alunos. “Assim, na prefeitura elas não fazem aula, elas só mandam o conteúdo e manda a criança copiar e responder e pronto, é só isso. [...] A [professora] do 5° ano, ela só faz botar as tarefas e o aluno faz só. Tipo, ela não dá explicação de nada, aí o aluno vai perguntar pra ela, e ela diz e pronto.”
Em situação similar a de Thalyta, Aline relata que, na escola municipal onde sua filha estuda, as aulas estão sendo realizadas apenas pelo Whatsapp. Não há quase nenhuma interação aluno-professor e há muitas queixas quanto a essa modalidade de ensino. “As aulas são online, através do Whatsapp. As professoras enviam as atividades ou passam as páginas dos livros e enviam um vídeo com a explicação do conteúdo. [...] As explicações de conteúdo não são suficientes para o aprendizado dela, sempre tenho que dar auxílio nas explicações.”
A mãe Raquel também tem ressalvas quanto ao trabalho dos profissionais da educação, dado que não há uma rotina fixa de aulas.
Em contrapartida, no ensino particular, o aluno Adrian Barros, de 14 anos, está atualmente cursando o 9° ano e possui aulas online ao vivo todos os dias. Segundo ele, as aulas ocorrem das 7:15 ou 8:15 às 11:05 ou 12:45, com a duração de 45 minutos cada. Adrian também comenta que, do início da pandemia até hoje, houve melhora na didática dos professores. “Percebi que as aulas estão mais dinâmicas e que a qualidade, tanto de rede como de ensino, melhorou. Os professores estão muito mais preparados, conseguindo explicar bem melhor.”
A insuficiência do trabalho dos professores, relatada pelos depoimentos das mães, denuncia uma realidade mais ampla. Segundo a pesquisa Sentimento e percepção dos professores brasileiros nos diferentes estágios do coronavírus no Brasil, realizada pelo Instituto Península, “55% dos professores não receberam treinamento para ensino à distância da escola, sendo que a maior demanda deles é justamente por esse treinamento (75%).” Os professores, portanto, apesar de responsáveis por seu próprio trabalho, também são vítimas da mudança inesperada das salas de aula aos computadores.
Enquanto alguns diminuíram seu rendimento em razão disso, outros conseguiram se reinventar e continuar fazendo seu trabalho com excelência, como mostra o relato de Adrian e da coordenadora Janaína.
O Contato Pessoal
A primeira instância da vida escolar prejudicada pelo ensino remoto é a da socialização. Trancados em casa, os alunos são privados do contato com o outro, algo que é essencial para um desenvolvimento saudável da criança e do adolescente. A psicopedagoga Leidiane Pontes aponta que “um dos pontos principais [do ensino fundamental] é a socialização e a necessidade que as crianças têm de trocar ideias com os colegas, além do brincar nos momentos do recreio, onde é trabalhada a tolerância, as regras, os movimentos corporais”.
O aluno Adrian é um exemplo do quão negativamente a falta do relacionamento presencial pode afetar os menores:
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O EAD mudou muitas coisas: em ensino, em amizades e principalmente em nossas vidas. Me sinto mais sozinho e com muitas expectativas. Ter que me afastar de repente dos meus amigos, mesmo que necessário, foi uma experiência bem ruim.
Consequências para o Futuro
Um ensino fundamental feito de maneira não satisfatória pode prejudicar enormemente os planos e sonhos futuros das crianças. A queda no rendimento escolar, a solidão provocada pelo isolamento e as constantes dificuldades da adaptação ao ensino à distância irão se refletir negativamente em uma fase da vida escolar que já é difícil por si só: o ensino médio.
Infelizmente, esta é a realidade de muitos estudantes atualmente: o ensino remoto tem dificultado um processo de construção do conhecimento essencial, e a única esperança para os pais, os profissionais e os alunos é a volta segura ao ensino presencial.
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Eu só quero que essa epidemia passe.
Thalyta Góes, mãe da Tainá, Beatriz e Bianca
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Sei que é o necessário a se fazer nesse momento… mas ela prefere o presencial.
Aline Costa, mãe de Lívia
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Acho que não há muitas coisas a melhorar e acredito que esse momento vai passar e tudo vai voltar a um novo normal.
Adrian Barros, aluno do 9° ano